Os dados revelam que 70% das pessoas idosas das classes D/E nunca foram a museus, 72% nunca foram ao teatro e 78% nunca frequentaram uma feira literária.
A pesquisa Cultura nas Capitais (2025) aponta que o percentual de pessoas acima de 60 anos que consome cultura no país está abaixo de 30% em quase todas as linguagens artísticas e tipos de equipamentos culturais. Considerando-se a média de todas as capitais, apenas 23% dos 60+ ouvidos pelo estudo vão a shows de música, 19% vão a museus, 18% vão ao teatro, 17% vão a feiras do livro e 15% frequentam bibliotecas. O acesso a livros foi a única categoria acima da média, com 51% de pessoas idosas afirmando que leem. Quando aplicado o recorte de região, percebe-se que os índices caem em quase todas as categorias nas regiões norte, nordeste e centro-oeste.
Trata-se da maior pesquisa quantitativa sobre hábitos culturais já feita no país, lançada recentemente. O estudo, realizado pelo grupo de consultoria JLeiva Cultura & Esporte e financiado pela Lei Rouanet, mapeou o consumo da cultura pelos brasileiros nas capitais do país em 14 diferentes atividades culturais. A pesquisa também mostra que o consumo cultural de pessoas idosas das classes D/E é significativamente menor em relação às das classes B e A.
Das 14 atividades culturais mapeadas pela pesquisa, as pessoas idosas das classes B e A ficam abaixo da porcentagem média de consumo de apenas 5, enquanto as das classes D/E estão abaixo da porcentagem média de consumo de todas as atividades. Os dados revelam que 70% das pessoas idosas das classes D/E nunca foram a museus, 72% nunca foram ao teatro e 78% nunca frequentaram uma feira literária. Ainda segundo a pesquisa, idosos negros e negras consomem mais cultura em relação aos brancos e brancas nas capitais brasileiras.
Para o especialista em direitos culturais Olimpio Ferreira, o consumo cultural no Brasil e a efetividade das políticas culturais, independente da faixa etária, estão atrelados as questões intersetoriais. “Participar da vida em comunidade agrega diversas dimensões e sem dúvidas os outros marcadores sociais e identitários influenciam na efetivação de políticas”, explica Olimpio, que é presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB do Ceará.
Segundo o pesquisador, vem daí a necessidade de escuta e voz para que as políticas, planos e programas possam ser pensados por aqueles que irão usufruir dos bens culturais, bem como produzi-los e reelaborá-los. O que implica na não restrição da inserção cultural de idosos apenas via meia-entrada, mas de modo que o fazer cultural também seja praticado pelo próprio grupo social.
“É preciso ouvir as falas das pessoas idosas, para além de uma pesquisa (sem invalidar sua importância para elucidar questões), pois são os próprios que vão dizer o que querem e não o outro”, diz Olimpio, apontando as iniciativas de reconhecimento e valorização de mestres e mestras da cultura popular como bons exemplos destas políticas. Atualmente, estados como Ceará, Paraíba e Pernambuco adotam políticas e ações com este foco.
Direito à cultura
A Lei nº 8.842/1994, que institui a Política Nacional do Idoso, salienta a participação de pessoas 60+ na vida em sociedade, usufruindo, produzindo e reelaborando bens e processos culturais.
Já o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003) traz avanços ao destinar um capítulo específico para a cultura, o esporte e o lazer. A legislação determina que “a pessoa idosa tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade” e que “as pessoas idosas participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da memória e da identidade culturais”, para valorizar os saberes e fazeres culturais das pessoas idosas.
Num Brasil cada vez mais longevo, discutir o estilo de vida e as possibilidades para as pessoas 60+ é indispensável. Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, o número de pessoas idosas (com idade igual ou superior a 60 anos) cresceu 57,4% desde 2010.
A desvalorização dos corpos daqueles que chegam à velhice é característica da sociedade atual, exigente por agilidade, estética e produtividade. O acesso à cultura na velhice é uma forma de driblar o lugar-comum de que a esta etapa da vida se restringe a consultas médicas, remédios e cadeiras de balanço, um limbo onde impera a sabedoria da mente, mas cujo corpo é constantemente associado à fragilidade.
Fonte – Nonada Jornalismo
Foto: Edgar Rocha/Iphan
Deixe um comentário