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Pesca manejada de pirarucu avança rumo à certificação orgânica inédita no Brasil

A atualização da Instrução Normativa nº 17 (MAPA/MMA) representa um avanço importante para a produção orgânica de base extrativista e atende a reivindicações de comunidades, coletivos e organizações da sociedade civil.

Após quase uma década de mobilização e incidência da sociedade civil organizada, o pirarucu manejado de forma sustentável poderá, enfim, ser reconhecido como produto passível de certificação orgânica. A nova redação da normativa, que será oficializada via Portaria Interministerial e define os critérios para a certificação de produtos oriundos do extrativismo sustentável orgânico, foi apresentada durante audiência pública realizada em maio, em Manaus, como parte da programação da 13ª Reunião do Coletivo do Pirarucu.

Antes vinculada aos Ministérios da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a nova portaria passa a incluir também o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e propõe a inclusão de produtos de origem animal entre os passíveis de certificação orgânica — uma conquista significativa para povos tradicionais e comunidades extrativistas.

Bruna De Vita, diretora do Departamento de Políticas de Estímulo à Bioeconomia da Secretaria Nacional de Bioeconomia do MMA, explicou que a normativa até então abrangia apenas produtos vegetais e fúngicos. Com a atualização, prevista para ser assinada na Semana do Meio Ambiente, será possível certificar também produtos oriundos do extrativismo animal. “Todo contexto de certificação traz um processo de diferenciação e valorização do produto, que pode melhorar o preço no mercado e o acesso a políticas públicas. Hoje estamos aqui para apresentar o esforço de todos esses anos“, afirmou.

A audiência pública reuniu cerca de 80 participantes, incluindo representantes do MMA, MAPA e MPA, além de integrantes do Coletivo do Pirarucu, da Rede Maniva de Agroecologia do Amazonas (REMA) e outras organizações da sociedade civil.

Histórico de mobilização

A proposta de certificação orgânica do pirarucu começou a ser discutida em 2015, a partir de diálogos iniciados pela Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc) e ganhou mais força a partir de 2018, quando o Coletivo do Pirarucu elaborou uma moção reivindicando a inclusão do pescado na normativa de orgânicos.

Desde então, iniciou-se um processo intenso de articulação, que envolveu a redação de propostas, revisões técnicas, criação de um grupo de trabalho na Comissão de Produção Orgânica do Amazonas (CPOrg/AM) e discussões para adaptar a IN nº 17 (MAPA/MMA) às especificidades do manejo do pirarucu. Mesmo com os desafios impostos pela pandemia de Covid-19 e um contexto político desfavorável até 2022, o processo avançou e caminha para ser concluído em 2025, com ampla participação de órgãos governamentais e organizações da sociedade civil.

A atualização da IN reflete a necessidade de reconhecer o valor socioambiental do pirarucu manejado e valorizar o trabalho dos manejadores e manejadoras. “São 10 anos de discussão e insistência para que essa normativa saia do papel. O mercado não resolve 100% nosso problema, temos que incidir também nas políticas públicas. Nosso maior desafio é tornar os produtos que geram conservação tão, rentáveis quanto os produtos que geram destruição”, afirmou Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes (MCM) e integrante do Coletivo.

Essa trajetória de incidência foi registrada no artigo “A certificação orgânica como estratégia de fortalecimento da cadeia do pirarucu de manejo sustentável no Amazonas” e apresentada no XII Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado no Rio de Janeiro em 2023. O processo também ganhou visibilidade no documentário “Pirarucu Orgânico”, produzido pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e lançado em 2024, com depoimentos de representantes das organizações envolvidas.

Próximos passos

Com a publicação da nova normativa prevista para os próximos dias, os esforços se voltam à construção de procedimentos e métodos voltados à certificação do pirarucu manejado. O processo será conduzido em articulação com a REMA, o Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) Maniva, a CPOrg/AM, o MAPA e o Coletivo do Pirarucu, com base no Sistema Participativo de Garantia Orgânica (SPG).

“Como OPAC, vamos avançar para o escopo animal e contribuir com essa construção, que já vem sendo desenvolvida nos territórios”, afirmou Ramon Morato, coordenador da CPOrg/AM. Ele destacou ainda o protagonismo amazônico no processo e a importância de popularizar a certificação orgânica, tornando os produtos mais acessíveis à população.

“Nós temos um exemplo muito interessante, algo com DNA amazônico que sai daqui e que vai ensinar muito de sistema participativo e controle social interno para a própria legislação de produção orgânica nacionalmente. Enquanto movimento agroecológico, o nosso esforço é para haver uma popularização da certificação orgânica justamente para que esses produtos possam ser acessíveis à população”, completou.

Fonte – Coletivo do Pirarucu

Foto – Jorge Pimentel/Instituto Juruá

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